sexta-feira, 29 de junho de 2012

Bioquímica da Cirrose Hepática Alcoólica e Carências dos Alcoólatras


Cirrose Hepática: Quando se passa dos limites com o álcool.
     O termo ''Cirrose'' é utilizado para denominar a patologia que transforma os tecidos originais de um órgão em tecido fibroso, por um processo chamado fibrose ou esclerose. No entanto, a nomenclatura popularizou-se relacionada aos danos no fígado devido ao consumo abusivo de álcool, ocasionando a chamada Cirrose Hepática Alcoólica.
     É importante estudar as causas que levam a Cirrose, os sintomas e como se pode evitar esse quadro patológico tendo em vista não apenas a irreversibilidade dessa doença, mas também os dados alarmantes de mortes ocasionados diretamente pela Cirrose ou os riscos a que esta sujeita o portador, como o câncer hepático. Mais preocupante ainda é pensar que cada um pode agir para evitar contrair a doença, moderando seus consumos e se informando acerca desse mal, mas o número ainda elevado de mortes (É a sétima causa de morte nos EUA, causando mais de 25.000 óbitos a cada ano. No Brasil, são notificadas em média 12.800 mortes ao ano) mostra que tal conscientização não é realizada. Hoje, algumas informações acerca da Cirrose Hepática serão fornecidas a todos os interessados, que podem, através desse post, repensar até mesmo seu próprio comportamento ao analisarem ao quê estão sujeitando a si mesmos.
      A Cirrose consiste em uma doença crônica do fígado que pode se apresentar em diversos gêneros - alcoólica, por Hepatite Crônica, Biliar Primária, Esclerosante Primária - Ela se apresenta após lesões necróticas (morte celular causada por fatores celulares irreversíveis) focais dos hepatócitos (células do fígado), esteatose, regeneração micronodular, acúmulo de proteínas celulares, entre outros. A esteatose hepática (que consiste no processo de deposição de gordura nas celúlas hepáticas) ocorre nas primeiras fases da lesão hepática, e nela o fígado aumenta de tamanho e, consequentemente, aumenta o hipocôndrio direito, que se torna mais sensível; além de gerar um desconforto epigástrico.
  

     Nas primeiras fases da lesão, caracterizadas por fibrose e formação de nódulos que bloqueiam a circulação sanguínea, A Cirrose também faz com que o fígado produza tecido conjuntivo fibroso no lugar das células saudáveis que, por sua vez, morrem. Com isso, o fígado deixa de desempenhar suas funções básicas e normais - como auxiliar na manutenção de níveis estáveis de açúcar no sangue, produzir bile, proteínas, metabolizar o colesterol, o álcool e medicamentos, entre outras.
      No caso da Cirrose Alcoólica, o abuso do álcool consiste na principal causa de manifestação da doença. O fígado é o responsável pela metabolização do etanol, e quando exposto a doses elevadas deste, pode sofrer um sobrecarregamento, sofrendo danos em seus tecidos vitais. O metabolismo da substância acetaldeído aumenta o consumo de oxigênio dos lóbulos hepáticos. O oxigênio é recebido pelo fígado através de duas estruturas: Artéria hepática (responsável pela maior parte do transporte de O2) e veia porta (responsável por um terço do transporte de oxigênio). Os produtos dos hepatócitos lesados são fagocitados pelas Células de Kupfer (responsáveis por fagocitar substâncias estranhas presentes no sangue dos seios hepáticos). O macrófago aumenta a resposta inflamatória, passando a secretar lipídeos bioativos e glicoproteínas com propriedades imunorreguladoras e quimiotáticas, como os leucotrienos (lipídios da família dos eicosanóides), prostaglandinas, interleucinas (cuja maioria de suas funções envolve a ativação dos linfócitos e na indução da divisão de outras células), interferons (responsável por induzir um estado de resistência antiviral em células teciduais não infectadas) e o fator de necrose tumoral (TNF) (citocina envolvida em inflamações sistêmicas).
        A partir deste processo, os neutrófilos são enviados através de várias vias. Em uma delas ocorreria liberação de peptídeos importantes no estímulo de adesão e migração dos leucócitos (integrantes do sistema imunitário do organismo). Além disso, ocorre a ativação da via alternativa do complemento gerando C5a, um potente fator quimiotático que facilita a migração dos neutrófilos.

       Depois de sua chegada a região lesada, os neutrófilos se acoplam no endotélio capilar. Esse processo sofre mediação das moléculas de adesão, como a molécula leucócito-endotélio (ELAM), moléculas interstício-celular (ICAM), selectinas, entre outras. Como consequência desta interação, os neutrófilos acumulam-se na superfície das células endoteliais através de diversas substâncias mediadoras como fator de ativação plaquetária (PAF), óxido nítrico (NO), prostaglandina E (PGE), interleucina-1 (IL-1), interleucina-8 (IL-8) e fator de necrose tumoral. Então, os neutrófilos migram através da parede dos capilares para o local da infecção.
        A formação de complexos acetaldeídos-proteínas, que atuam como neoantígenos, originam linfócitos sensibilizados e anticorpos específicos que atuam atacando outros hepatócitos sadios, além de transportar esses antígenos.  Radicais livres são gerados atráves de vias alternativas do metabolismo do etanol, e atuam integrando o denominado Sistema de Oxidação Enzimático Mitocondrial. Como se sabe, as mitocôndrias desempenham um importante papel bioquímico no fornecimento de energia advindo do processo de respiração celular, envolvendo um complexo sistema enzimático que se estende desde a oxidação de ácidos graxos, ciclo de Krebs até a Cadeia respiratória. O Sistema citado consiste em um processo catabólico de ácidos graxos. Estes ácidos graxos livres passam por processos enzimáticos antes de adentrarem a mitocôndria, o primeiro sendo a acil-coA sintetase, presente na membrana mitocondrial externa, catalisa a formação de uma ligação tioéster entre o grupo carboxila do ácido graxo e  o grupo tiol da coenzima A para liberar um acil-CoA graxo; simultaneamente, o ATP sofre clivagem em AMP e PPi. A formação dos acil-CoA graxos é favorecida pela hidrólise das duas ligações de alta energia do ATP. Logo após essa formação, o grupo acil-graxo é ligado ao grupo hidroxila da carnitina e o derivado acil-carnitina graxo é transportado através da membrana mitocondrial interna por um transportador específico, o transportador acil-carnitina/ carnitina. Por conseguinte, O grupo acil-graxo é transferido enzimaticamente da carnitina para a coenzima A intramitocondrial, transporte realizado pela carnitina acil transferase II. Essa isoenzima está localizada na face interna da membrana mitocondrial interna, onde ela regenera o acil- CoA graxo e libera-o, juntamente com a carnitina livre, na matriz mitocondrial. O processo de oxidação em si é divido em 3 etapas, sendo que no primeiro estágio os ácidos graxos sofrem remoção oxidativa de sucessivas unidades de dois átomos de carbono na forma de acetil-CoA, começando pela extremidade carboxila da cadeia do ácido graxo. No segundo estágio da oxidação do ácido graxo os resíduos acetila do acetil-CoA são oxidados em CO2, através do ciclo do ácido cítrico. Através destes dois primeiros estádios, produzem-se transportadores de elétrons reduzidos NADH e FADH2 que, em um terceiro estágio, transferem os elétrons para a cadeia respiratória mitocondrial, através do qual estes elétrons são transportados até o oxigênio. Ligada a este fluxo de elétrons está a fosforilação do ADP para a ATP, conservando dessa forma a energia liberada pela oxidação dos ácidos graxos. Vale lembrar que a oxidação de ácidos graxos produz muito mais energia que a oxidação de carboidratos. Por exemplo, uma molécula de palmitato produz um saldo de 106 ATPs, enquanto uma molécula de glicose produz apenas um saldo líquido de 36 ATPs.
     Na figura abaixo, analisa-se uma comparação entre a a beta-oxidação mitocondrial e a beta-oxidação peroxissomal:
    A cirrose é uma consequência de diversas doenças hepáticas que devem ser tratadas com excelência com o intuito de se evitar o surgimento da cirrose ou, no caso dos indivíduos já detectados com este quadro patológico, evitar a sua progressão acelerada, procurando lentificar seu desenvolvimento. Vale ressaltar que a Cirrose não possui cura. A única forma de erradicá-la totalmente do organismo é com um transplante de fígado.

                                  Aos Alcoólatras: Problemas apenas hepáticos?
Não. Tema de muitos trabalhos atuais, as carências fisiológicas e biológicas dos alcóolatras têm sido abordadas por diversos pesquisadores, que confirmam: Falta de vitaminas e nutrientes fazem parte da vida do alcóolatra, e, como era de se esperar, essa falta não é positiva. Aqui citaremos algumas dessas vitaminas, e as consequências de sua carência:
Vitamina B1 - Tiamina: Integrante do conjunto de vitaminas pertencentes ao complexo B, todas atuando de modo similar e sendo encontradas nas mesmas fontes, como grãos, na gema de ovo, no fígado, no rim, na carne de porco, no peixe, no amendoim, na noz, nos legumes, e em vegetais verdes e folhosos. A sua atuação dá-se no sistema nervoso, nos músculos e coração, além de auxiliar as células no metabolismo da glicose. Sua deficiência causa lesão cerebral potencialmente irreversível. A sua carência também é responsável ao aparecimento de outros quadros, como a Síndrome de Korsakoff - Amnésia, confabulação e desorientação; Encefalopatia de Wernicke - Relacionada à ingestão excessiva de glicose. Os sintomas apresentados nessa situação podem ser descritos na tríade: Ataxia, oftalmoplegia e confusão mental;
      Essa carência manifesta-se nos alcóolatras - assim como nos desnutridos e naqueles que passaram por cirurgia bariátrica - devido ao seu conteúdo, que possui algumas substâncias que prejudicam a absorção da tiamina pelo organismo. A nicotina e a cafeína, juntamente com o álcool, são suspeitas de, no organismo humano, produzirem uma enzima que lisa a tiamina.
Fórmula Estrutural da Tiamina.

   Os alcoólatras também podem apresentar diversas deficiências em oligoelementos, como o magnésio, zinco e selénio. Observaram-se níveis plasmáticos elevados de chumbo nos alcoólatras, principalmente quando o vinho é a bebida preferida - explicado pelos vinhedos localizados próximos a rodovias, aonde o chumbo da fumaça do escapamento dos carros poderia contaminar as uvas.
   A tabela abaixo exemplifica a diferença de níveis de algumas vitaminas essenciais á homeostase do organismo na comparação entre alcóolatras que participaram da pesquisa e o grupo de controle, composto por não alcóolatras:
     Fatores adicionais são citados como responsáveis pelo aparecimento de estados deficitários, como a má absorção intestinal, excesso de excreção, alterações no transporte e alterações no armazenamento.
     Vale lembrar que os alcóolatras também apresentam, devido ao seu consumo abusivo de álcool, lesões no pâncreas, como a pancreatite, caracterizada pela inflamação deste órgão, podendo causar, em seus casos mais avançados, hemorragia, lesão tecidual e infecções no órgão. Como consequência, o pâncreas deixa de produzir substâncias que metabolizam as gorduras, além de comprometer diversas das suas funções essenciais.
   Logo, será que vale a pena passar do limite com o álcool, mesmo que isso lhe traga algum bem estar momentâneo - provavelmente provocado pela fuga de algum problema emocional - e sofrer com as consequências não apenas fisiológicas, mas psicológicas e familiares, além de sociais, que este mal faz? Repensar o consumo abusivo, muitas vezes iniciado através da falsa afirmação de ''Eu posso controlar o meu vício'', ou ''Não possuo nenhum tipo de vício prejudicial a mim'', é essencial para que, mais tarde, você não acabe necessitando de um transplante de fígado, um acompanhamento nutricional sério e uma clínica de reabilitação. Todos esses fatores podem ser iniciados facilmente quando ''aquele copo de vodca do final de semana'' se transformou ''na dose intrínseca a cada dia.''
                                                                                      Gizelia Barros.

Referências:

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